RESUMO: O termo pobreza menstrual, objeto de estudo deste artigo, é conceituado como sendo aquele que corresponde tanto à falta de condições de realização da higiene menstrual de forma adequada quanto à falta de informações e conhecimento a respeito do tema. Tal mazela social atinge principalmente pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade em suas diversas interseccionalidades. Entre as adolescentes, uma das graves consequências da pobreza menstrual é a evasão escolar. Ademais, a ONU descreve a pobreza menstrual como um problema de não só de saúde física e mental, mas também como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Assim, tal artigo busca investigar a situação social de crianças e adolescentes no Brasil a partir da pobreza menstrual e o avanço de políticas públicas nessa questão, relacionando o debate com o Estatuto da criança e do adolescente, pois torna-se necessário e latente, na nossa sociedade atual, identificar os desafios das políticas públicas na efetivação de soluções para a pobreza menstrual de crianças e adolescentes brasileiras, sob à ótica constitucional de dignidade entrelaçada a uma dimensão dos direitos humanos.
INTRODUÇÃO
A presente proposta de pesquisa tem como objeto de estudo a situação social de crianças e adolescentes no Brasil a partir da problemática da pobreza menstrual frente a ineficácia das políticas públicas existentes para o enfrentamento desse fenômeno; principalmente sob o aspecto da dignidade menstrual como princípio dos direitos humanos vinculado à saúde pública.
Esclarece-se que é importante sinalizar que “Quando falamos de pobreza menstrual, nos deparamos com crises humanitárias, sanitárias e de desigualdades” (SILVA; LOPES; JÚNIOR, 2022, p.4).
Assim, atento a tal fenômeno de exclusão social, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, diante da realidade concernente à falta de acesso a uma higiene digna, desenvolveu uma recomendação, considerando, principalmente a transversalidade existente entre a pobreza e os respectivos reflexos no dia a dia de mulheres, adolescentes e crianças que menstruam, conforme colacionado abaixo:
Criação de uma Política Nacional de superação da pobreza menstrual, para garantir que itens como absorventes femininos, tampões íntimos e coletores estejam disponíveis para todas as mulheres e meninas, inclusive as que estejam privadas de liberdade, privilegiando itens que tenham menor impacto ambiental, bem como para que sejam ampliadas ações educativas quanto às medidas de saúde e autocuidado, no sentido de que sejam desenvolvidas relações mais positivas das mulheres e meninas com seu ciclo menstrual (CNDH, 2020, p.2).
Dessa forma, urge pensar que as políticas públicas que estão sendo implantadas hodiernamente afrontam os direitos do gênero feminino, incluindo-se, assim, em tal contexto, crianças e adolescentes que deveriam ser protegidos pelo sistema de direitos e garantias, edificado sob o manto do Estatuto da Criança e do adolescente, principalmente, sob o aspecto do necessário e constitucional acesso à saúde e educação de forma transversal.
Diante disso, pergunta-se como problemática norteadora: como tem avançado as políticas públicas para crianças e adolescentes que menstruam, de forma a considerar a dignidade menstrual como princípio dos direitos humanos?
A PROBREZA MENSTRUAL COMO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS:
Quando se pensa em pobreza menstrual, não só existe um debate sobre a problemática que afere a falta de acesso à higiene e educação voltada à direitos sexuais e reprodutivos, mas também como o Estado atua para efetivar direitos e garantir o mínimo de dignidade para meninas e jovens mulheres.
A ONU reconhece o direito à higiene menstrual como um problema de saúde pública, já que são inseridas, em tal contexto, dimensões e reflexões sobre o acesso à água tratada, ao saneamento básico e aos itens de higiene. Assim, um dos fenômenos recorrentes a tais questionamentos referem-se à pobreza menstrual e a consequente falta escolar das crianças que menstruam, já que não detém condições financeiras mínimas para obter acesso aos absorventes; além de serem parcas e atrasadas as orientações sobre educação menstrual e assuntos relacionados à direitos sexuais.
Segundo a UNICEF e a UNFPA cerca de 60% de adolescentes e jovens que menstruam acabam não indo à escola ou a outro lugar por causa da menstruação (UNICEF, 2021).
O Estatuto da criança e adolescente em seu artigo 7º dispõe que “A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. Diante disso, é importante pensar como esse fenômeno se desdobra no âmbito da infância e da adolescência impactando na realidade dessas meninas e se existem marcos legais para garantir o direito previsto no ECA.
Os obstáculos que impedem a garantia de direitos e a dignidade menstrual para as crianças e adolescentes que menstruam, perpassam não só pela falta de banheiros adequados nas escolas, mas também pela escassez de acesso a absorventes quando vivenciam situações de vulnerabilidade social; ocorrendo, por muita das vezes, a utilização de métodos precários.
Diante disso, revela-se a necessidade de políticas públicas nos âmbitos da saúde e da educação, tendo em vista que a educação menstrual é, sim, uma alarmante lacuna dentro do ambiente escolar.
Além mais, a aproximação com a demanda de mulheres/meninas em situação de vulnerabilidade, torna-se a principal motivação no desenvolvimento do tema por meio deste artigo, já que busca impulsionar e trazer reflexões de estudo sobre tal universo de forma transversal e sensível a tal problemática social humanitária.
POBREZA MENSTRUAL: AS DESIGUALDADES E A BUSCA PELA DIGNIDADE
A reprodução da sociabilidade burguesa se torna possível diante das desigualdades proporcionadas por todas as engrenagens hierarquizantes das relações sociais particulares desse modo de produção, incluindo a desigualdade de gênero que hierarquizam homens e mulheres. A partir dessa totalidade, se pensa como o Estado pensa as vulnerabilidades para a mulher, e os valores humanos que devem ser considerados para ampliar a política de proteção à mulher, já que diversas violências e não garantias surgem como produto do regime de dominação-exploração das mulheres pelos homens, o patriarcado.
Isto revela, o quanto ainda é contemporâneo o pensamento de Simone de Beauvoir (1970, p.71) quando esta coloca que as mulheres ainda são consideradas cidadãs de segunda categoria. Neste sentido, tal condição não só as destinam para um lugar de inferioridade, mas também interfere diretamente nas condições de vida, adoecimento e morte do gênero feminino.
As mulheres são a maioria no Brasil, mas são aquelas que não detém os espaços de poder decisório, “Assim, minorias podem ser compreendidas como indivíduos que politicamente (quando não numericamente) se percebem como grupo à parte em comparação com valores e padrões culturalmente pré-estabelecidos e hegemônicos. ” (NASCIMENTO; ALVES, [S.L] p.363). Dessa forma, tópicos referentes à condição feminina acabam sendo negligenciados e esquecidos pelas políticas públicas. A pobreza menstrual é uma problemática que cerca o público feminino, diante da desigualdade de classe e gênero que se manifesta em diversos fenômenos:
É denominada “pobreza menstrual” – ou precariedade menstrual – a situação de precariedade e vulnerabilidade econômica e social à qual bilhões de pessoas menstruastes ao redor do mundo estão submetidas por não terem acesso adequado à saneamento básico, banheiros e itens de higiene pessoal, aí incluídos os protetores menstruais (ASSAD, 2021, p.142)
Diante do conceito, é preciso identificar o fenômeno e a relação com a perspectiva do gênero e da pobreza, principalmente, de forma interdisciplinar aos estudos sobre a eficácia das políticas voltadas para o sexo feminino no que tange à questão da menstruação. A precariedade assinalada se reveste de diversos elementos da realidade, que subalternizam a mulher quando desta é retirado o direito de higiene pessoal diante dos parâmetros dessa sociabilidade liberal fincado no lucro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Visto o exposto, o presente artigo lançou luz sobre a pobreza menstrual e a realidade vivenciada por crianças e adolescentes que menstruam, pensando, assim, de uma forma transversal, nas dimensões de saúde e educação que estão envolta dessa problemática. Além disso, tal estudo se debruçou sobres os questionamentos relativos às políticas públicas existentes sobre o tema, bem como buscou trazer reflexões sobre como o direito de menstruar também é pauta dos direitos humanos.
Assim, entender as circunstâncias e apresentar a amplitude dos fatos, propicia e aguça, inclusive, a possibilidade de uma pesquisa coletiva, denotando, assim, as possibilidades de renovação do conhecimento, principalmente com o objetivo de atingir de forma positiva a parcela da população que está inserida no contexto do objeto de estudo.
Dessa feita, pensar de forma holística, fará com que haja a identificação dos problemas, suas incoerências, mas também das potencialidades, servindo, inclusive, de ponte ao desenvolvimento da autonomia, autoestima, empoderamento, valorização das mulheres e principalmente o rompimento da falta de garantia de direitos, que tem deixado marcas e traumas irreversíveis, além de ceifar vidas de inúmeras mulheres cotidianamente, pelo simples fato de serem mulheres.
Diante de todo o exposto, o presente artigo buscou lançar luz quanto à garantia constitucional de acesso aos direitos básicos inerentes à mulher, enquanto ser humano dotado de dignidade; tornando-se, assim, imprescindível potencializar temáticas atuais e que necessitam de soluções por meio de pesquisa e debates nas arenas decisórias, ainda mais quando se trata de um grupo historicamente subalternizado como o gênero feminino.
REFERÊNCIAS
ASSAD, Beatriz Flügel. Políticas públicas acerca da pobreza menstrual e sua contribuição para o combate à desigualdade de gênero. Revista Antinomias, v. 2, n. 1, p. 140-160, 2021.
MARCONI, M. A; LAKATOS, E. V.. Metodologia científica. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
MAIS de 60% de adolescentes e jovens que menstruam já deixaram de ir à escola ou a outro lugar que gostam por causa da menstruação, alertam UNICEF e UNFPA. UNICEF. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/mais-de-60-por-cento-de-adolescentes-e-jovens-que-menstruam-ja-deixaram-de-ir-a-esc. Acesso em: 23. dez. 2022.
NASCIMENTO, Arthur Ramos; DE BRITO ALVES, Fernando. Vulnerabilidade de grupos minoritários entre cenários de crise e proteção de direitos. Revista Da Faculdade De Direito Do Sul De Minas, v. 36, n. 2, 2020
OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em Administração. Catalão: UFG, 2011. 72 p.: il.
RECOMENDAÇÃO no 21, de 11 de dezembro de 2020. CNDH. Recomenda ao Presidente da República, ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal, a criação de um marco legal para superar a pobreza menstrual e a garantia de isenções de impostos de produtos. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-de-direitos-humanos-cndh/SEI_MDH1638484Recomendacao21.pdfAcesso em: 3. dez. 2022.
SILVA, João Victor Ferreira da; LOPES, Yoanna Danielly Victor. A pobreza menstrual como fator de violação de direitos humanos: um olhar para adolescentes em ambiente escolar. RUNA - Repositório Universitário da Ânima. 2022.
Pós-graduada em Direito e Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, RAPHAELA DA SILVA. Pobreza menstrual e políticas públicas: situação social de crianças e adolescentes na realidade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2023, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /61452/pobreza-menstrual-e-polticas-pblicas-situao-social-de-crianas-e-adolescentes-na-realidade-brasileira. Acesso em: 29 dez 2024.
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